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Este é o blog das super-mulheres, onde os super-homens são bem-vindos!
Os miúdos gostam de imitar os adultos ou crianças mais velhas, sejam eles homens ou mulheres, rapazes ou raparigas. Desenvolvem afinidades especiais com uns, mais do que com outros, mas é a imitar que se tornam gente. Imitam formas de falar, repetem palavrões, ganham interesse pelo desporto, pela leitura…
Num contexto como aquele em que o André cresceu era quase impossível que ele não gostasse de maquilhagem e vestir saias. André era o único menino da família. Brincava com frequência com as irmãs, embora fossem bastante mais velhas, mas principalmente com as primas Carolina e Sofia. A Carolina e a Sofia tinham imensos brinquedos super coloridos, cheios de brilhantes e lantejoulas, tutus e tules. Tinham estojos de maquilhagem, trens de cozinha, tiaras e varinhas de condão. É claro que um menino de 8 anos, como ele, adorava isso tudo também!
Nas tardes de domingo costumavam ficar em casa dos avós, onde tinham um quarto cheio de todo o tipo de brinquedos. Fazer passagens de modelos e concursos a imitar o Ídolos ou o The Voice Kids eram as brincadeiras preferidas. Para preparar a entrada no palco improvisado pelo avô Manel maquilhavam-se e vestiam-se a rigor. Pintavam as unhas com os vernizes da Carolina e maquilhavam-se com o estojo que a tia Laura oferecera à Sofia. O estojo tinha inclusivamente um kit de pestanas postiças! (Chegaram a chatear-se por causa dessas pestanas postiças!) Depois calçavam os saltos altos da avó e vestiam as suas roupas. Realmente as avós estragam os netos com mimos. Até o vestido de noiva foi buscar para alimentar a brincadeira. Os miúdos deliravam com o véu e a grinalda!
Uma tarde, o pai do André foi buscá-lo mais cedo e ficou em choque quando viu o filho de batom vermelho, bochechas rosadas, unhas com brilhantes, saia xadrez com pregas e o véu da avó na cabeça. Chateou-se com ele, deu-lhe umas palmadas e ainda foi discutir com a avó. Em lágrimas o André gritava, “mas por que é que a Carolina e a Sofia podem e eu não? Porquê? Porquê?” O pai não conseguia dizer outra coisa senão “porque não!”. De cabeça fria começou a pensar no assunto e arrependeu-se da reacção extemporânea que tinha tido naquela tarde. Afinal, o que é que o André tinha feito de errado? Ele não sabia responder.
Os pais têm em mãos várias responsabilidades, entre elas destaca-se a de dar educação aos filhos. Educar é uma tarefa muito complexa e ampla. Educar, entre outras coisas, significa ensinar as regras e valores de determinada sociedade para que as crianças consigam relacionar-se mais facilmente com os demais e com eles partilhar as mesmas referências culturais. Mas até que ponto devem os pais restringir a liberdade das crianças em prol de uma melhor aculturação? Até que ponto podem os pais limitar os interesses e aspirações dos seus filhos, apenas porque eles não correspondem àquilo que é mais aceite, mais comum, mais “normal”? Este é um assunto muito complexo e, quanto a mim, representa um dos maiores desafios dos pais no que diz respeito à educação dos seus filhos.
Algumas figuras públicas têm servido de exemplo para esta discussão. A cantora britânica Adele levou recentemente o seu filho vestido de princesa à Disney. Por que não haveria de o fazer?
*Publicado em Público