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Este é o blog das super-mulheres, onde os super-homens são bem-vindos!
A música é uma parte importante da nossa cultura. Através dela celebram-se valores, sentimentos, ambições. Nas sociedades ocidentais canta-se, e muito, sobre como as mulheres são seres malignos, menores, sem moral, bem como histórias de abusos, maltratos e até incentivos a que estes aconteçam. O hip hop é especialmente fértil neste tipo de temáticas. Refiro-me a canções que pretendem legitimar a superioridade masculina, as quais colhem algum êxito entre as camadas mais jovens. Muitos destes hits não são produção nacional, mas os nossos miúdos e miúdas conhecem-nos bem. Efeitos da globalização.
Deixem-me dar-vos alguns exemplos. Comecemos por um dos álbuns de rapmais vendidos de toda a história, The Marshal Mathers LP de Eminem. Neste álbum constam temas como Amityville, onde surgem pela boca de Bizarre estrofes intrigantes como:
“I fucked my cousin in his asshole, slit my mother's throat, Guess who Slim Shady just signed to Interscope, My little sister's birthday, she'll remember me, For a gift I had ten of my boys take her virginity, And bitches know me as a horny-ass freak” (imaginem isto cantado em português)
Do Brasil não vem só a Bossa Nova, mas também pérolas como as cantadas pelos célebres Racionais MC’s em Mulheres vulgares:
“Pra ela, dinheiro é o mais importante. (…) Luta por um lugar ao sol. Fama e dinheiro com rei de futebol! (ah, ah!) Ela quer se encostar em um magnata,que comande seus passos de terno e gravata. (…) Mulheres Vulgares, uma noite e nada mais!”
Ainda em português, não poderia deixar de referir o polémico tema do angolano C4 Pedro, cujo videoclip foi, inclusivamente, retirado da Internet, valendo um pedido de desculpas do artista. Azar da Belita chama-se a música e relata um episódio de assédio sexual perpetrado pelo próprio:
“Eu não sou do tipo que namora, mas sou do tipo de te arrastar sem demora. Eu deixei o meu Porsche lá fora. Então bazamos sem medo. Avisa na tua amiga que ela é do C4 Pedro. Bazamos todos pro meu castelo. Arranja mais uma pro Ng. Eu trago o Big Nelo. Niggas espalhados na área vip tipo ébola. (…) É melhor não duvidar. Aceita agora, aceita! Porque depois vai ser pior. Esse é o azar da Belita. Aceita agora, aceita! Porque depois vai ser pior.”
E poderia continuar a dar mais exemplos, mas não o vou fazer. Para encerrar este rol de música sexista, machista, misógina e outros adjectivos afins, deixo-vos antes uma lufada de ar fresco com Capicua, uma rapper portuguesa. Depois de músicas sobre violações e meninas virgens, sobre como as mulheres são fúteis e oportunistas, ou sobre assédio sexual, partilho a letra deAlfazema, uma música do álbum Sereia Louca:
“Somos o fruto da cultura que nos tolhe, que nos escraviza pela expectativa que escolhe, impor em nossos corpos tortos pra caber no molde, impor em nossos sonhos mortos para servir a prole (…) com tradições nascem contradições opressivas, como lições para sermos fracas e reprimidas, sem auto-estima postas de lado como um talher, não foi pra isso que nasci uma mulher, não vou cumprir com a puta da expectativa, não é pra ela que oriento a minha vida”
A música precisa de mais Capicuas
*Publicado em Público
A quantidade de informação que circula na Internet é colossal. Hoje, tudo, ou quase quase tudo, se encontra disponível à distância de um clique. Parece um chavão saído de um anúncio, mas é verdade. Podemos frequentar um curso à distância, acompanhar a vida dos nossos amigos, ler um livro, pesquisar desconhecidos ou qualquer assunto de interesse, comprar um carro ou um cão, candidatarmo-nos a um emprego, ver alguém ser abusado sexualmente, etc. etc. Esta crónica é sobre a última possibilidade.
A indústria da pornografia ganhou novos contornos, como outros sectores de actividade, com o advento da Internet. Existe um número sem fim de sites dedicados à partilha de vídeos e filmes pornográficos que facilitam a troca deste tipo de “serviço”. Algumas dessas plataformas são financiadas directamente pelo cliente, o qual paga pelos conteúdos, noutros casos o lucro advém da publicidade. Trata-se de um negócio que gera milhões, milhões e milhões de euros.
Há vídeos para todos os gostos, a três, a quatro, com um toque escatológico, chicotes e outros acessórios. Um sem fim de fantasias e fetiches pronto a consumir. Apesar da diversidade, uma característica comum aparece de forma mais ou menos transversal à pornografia heterossexual. As mulheres, regra geral bastante jovens (segundo o documentário “Hot girls wanted”, dentro do tema da pornografia, “adolescente” é o termo mais procurado na Internet), surgem numa posição subalterna, passiva, com o fim exclusivo de dar prazer ao homem ou homens que com elas contracenam. Até aqui, nada de novo, não é?
O mais surpreendente, pela negativa, é a quantidade de oferta de vídeos em que as mulheres encenam ser agredidas, humilhadas e sexualmente abusadas (cerca de 40% da oferta online, segundo o documentário acima referido). Um dos vídeos mais comuns mostra mulheres a serem forçadas a fazer sexo oral a um homem, que entretanto as insulta, bate-lhes, mete objectos fálicos na boca até provocar o vómito e depois as obriga a sorver o próprio vómito do chão, ou de um recipiente do género comedouro para cães.
Surgem-me duas questões de imediato: qual é o perfil destas jovens e quais são as características do público-alvo?
Segundo o mesmo documentário, por cerca de 300 euros é fácil encontrar jovens que aceitam submeter-se a este tipo de violência e, adicionalmente, ser filmadas a fazê-lo. Este documentário, baseado na realidade norte-americana, traça um perfil destas mulheres. O que as move é o dinheiro, a possibilidade de viajar e a ambição de serem ricas e famosas como, por exemplo, Kim Kardashian. Não são necessariamente oriundas de contextos sociais desfavorecidos, nem foram socializadas num contexto familiar ou social dos quais fizesse parte a pornografia ou prostituição (por vezes a linha que separa estas duas coisas é tão fina...).
Sobre o público destes vídeos, o documentário diz muito pouco ou nada, apenas que são muitos os homens a quem agrada este tipo de produções.
Debaixo do tapete das sociedades ocidentais, e sob a bandeira da crescente igualdade de género, que é real, existe ainda muito lixo. Este é um exemplo. Trata-se de desigualdade pura e dura, de subjugação de um sexo ao outro, de inferiorização e subalternização da mulher face ao homem. Se assim não fosse, teríamos à distância de um clique vídeos semelhantes, mas com homens no papel principal.
*Publicado em Público
A dona Maria foi visitar os netos a Paris. Também ela lá viveu durante 37 anos, graças aos quais juntou uma pequena fortuna, construiu casa na vila onde nasceu e vive uma reforma desafogada. O regresso a Portugal foi mais complicado do que alguma vez previu. Os filhos não vieram com ela e agora vive, com o marido, numa grande vivenda de cinco quartos. Casa a mais para tão poucas visitas, pois na verdade são mais eles que vão visitar a família a Paris do que o contrário.
Este ano alugaram um apartamento mais para o sul de França, para os meninos, dois rapazes de 4 e 7 anos, poderem aproveitar a praia que tão bem lhes faz às alergias. Nem uma hora depois de pisar a areia a dona Maria já estava a ser chamada à atenção por estar vestida dos pés à cabeça e de lenço a cobrir os cabelos. Os polícias foram educados, simpáticos até, e explicaram que depois dos atentados mais recentes o uso do burkini tinha sido proibido naquela praia e a forma como se apresentava em muito se assemelhava ao tal traje muçulmano. Raúl, o filho, indignou-se de tal maneira que toda a família acabou por abandonar a praia. As férias foram um desastre pois, como devem imaginar, ninguém equacionou enfiar a avó Maria num biquíni.
Vou falar-vos um pouco mais da avó Maria. A avó Maria não pinta o cabelo porque isso desagradaria o marido, a avó Maria não usa verniz nas unhas porque sabe que o marido não aprovaria, a avó Maria não toma decisões sobre o uso do dinheiro em casa, a avó Maria já foi traída pelo marido, mas sempre escondeu isso da família, pensa que são coisas que os homens não conseguem evitar… A avó Maria decidiu todos os dias fazer aquilo que é esperado dela, com todas as limitações que esta decisão encerra.
A avó Maria tem 68 anos, mas poderia ter 35 anos. Marias há muitas, todos nós sabemos isso! Mais do que o dress code, é o espirito de submissão ao homem que aproxima as Marias de uma muçulmana que usa burkini na praia. Talvez, quem sabe, algumas dessas mulheres de burkini tenham uma relação mais igualitária com o marido. Talvez não.
De qualquer forma, cabe ao Estado garantir a igualdade de direitos entre homens e mulheres, protegendo os mais fracos, nomeadamente a sua integridade física. Quando é que isso passou a significar pôr o Estado a despir as mulheres conservadoras?
Eu não defendo o burkini, eu abomino o burkini e tudo o que ele significa. No entanto, não sou capaz de concordar que numa democracia se use a autoridade para fazer desaparecer desta forma aquilo que nos incomoda. E há tanta coisa que me incomoda!
*Publicado em Público
O que são futilidades e o que faz de nós seres mais ou menos fúteis?
Segundo o Dicionário Priberam, é fútil a pessoa que “valoriza o que é considerado superficial, inútil ou apenas material”. No senso comum, esse poço infindável de sabedoria popular, costuma acusar-se as mulheres de padecerem deste mal. É raro ouvir-se dizer que um homem é fútil, já as mulheres são facilmente associadas a esse carimbo indesejado. Mas quais são, afinal, as futilidades das mulheres?
Munindo-me de todos os estereótipos que conheço, diria que a lista contém coisas como ver novelas; gostar de moda e decoração; comprar roupa, malas, sapatos ou jóias; ir ao cabeleireiro e à manicura; ler revistas cor-de-rosa; fazer dieta; usar muita maquilhagem; colocar botox ou fazer upgrades à custa do silicone.
Mas será a futilidade um apanágio exclusivamente feminino? Claro que não. O mundo está cheio de homens fúteis, todos nós sabemos disso! E quais são, neste caso, as futilidades mais comuns entre os homens? A lista é bem maior, mas deixo aqui alguns exemplos.
Futilidade 1. Ler jornais desportivos diariamente, sendo esta a única imprensa escrita consultada, mesmo fora das épocas dos campeonatos, quando as principais notícias são sobre o biquíni transparente da namorada do Gotze.
Futilidade 2. Seguir afincadamente as novas tendências em termos de relógios e investir uma boa quantia de dinheiro em alguns modelos caros para exibir no trabalho, mas também fora dele, entre amigos.
Futilidade 3. Fazer dieta controlada em termos calóricos, consumir papas e batidos proteicos em substituição de algumas refeições, e fazer exercício físico numa base quase diária de modo a hiper-desenvolver a massa muscular.
Futilidade 4. Aprofundar o conhecimento sobre automóveis e motas, ao ponto de conseguir identificar todos os modelos de uma determinada marca desde a década de 80 do século passado e, se possível, comprar um exemplar caro e vistoso.
Futilidade 5. Consumir medicação, vitaminas ou submeter-se a uma cirurgia plástica de implante capilar ou, ainda, usar capachinho, com o objectivo de contrariar/esconder a careca cada vez mais proeminente.
Como na maior parte dos assuntos, o senso comum e os estereótipos estão errados ou, no mínimo, só contam meia verdade. Por isso, homens, não se chateiem comigo. Todos nós temos direito às nossas futilidades e sem culpas. Afinal, quantos de nós passam o dia inteiro a ler Nietzsche?
* Publicado em Público
Sempre se sentiu atraída por mulheres. É como se tivesse um íman dentro dela que a empurra constantemente para aquilo que ao mesmo tempo repele com toda a força que é capaz de mobilizar. Mas o íman está lá e nunca vai deixar de exercer a sua força. E ela sabe isso.
Pólo positivo e pólo negativo. Lésbica e homofóbica.
Inicialmente tudo era surpreendente e nada fazia Ana desconfiar das dificuldades que aí vinham. Depressa percebeu que os pais, os amigos, o irmão, a madrinha, os primos, as vizinhas – enfim, o mundo – não aceitariam de ânimo leve a sua orientação sexual. Ela própria acabou por acreditar que algo estava errado consigo.
Aos 18 anos nunca tinha tido uma experiência amorosa porque não sentia coragem para se envolver com uma rapariga, apesar de muitas lhe terem despertado a atenção, e quanto às investidas dos rapazes sentia total indiferença.
Aos 19 anos, já na faculdade, longe da cidade natal, conheceu a mulher que viria a ser o primeiro amor da sua vida. A química entre as duas era flagrante. Raquel, apesar de ter a mesma idade, mostrava-se bem mais desinibida e confiante. Depressa tomou a iniciativa de beijar Ana, dando início a um período que esta hoje recorda, em segredo, com saudade e bastante tristeza, mas também repulsa.
Aos 20 anos Ana tomou uma decisão difícil e nunca mais, em momento algum, fez algo que contrariasse a decisão tomada. Uma grande amiga de infância questionou-a sobre a relação com Raquel e perguntou-lhe directamente se estava apaixonada por ela. Ana não conseguiu lidar com a ideia de que alguém desconfiasse sequer da sua orientação sexual, pelo que negou com veemência essa ideia, apelidando os homossexuais de aberrações.
Ana desejava ser “normal”, corresponder a tudo o que de si era esperado. Casar com um homem, na igreja, vestida de branco, ter filhos, trabalhar no escritório de advogados do pai e suceder-lhe, ocupando o seu lugar na sociedade. Tudo isso não combinava com uma relação lésbica, decidiu ela aos 20 anos.
Hoje Ana tem 29 anos. Amanhã é o dia do seu casamento com Filipe, um amigo de infância. As lágrimas teimam em estragar-lhe a noite e afugentar o sono. Agarrada ao telemóvel, vê fotografias de Raquel, e pede com força que o casamento funcione como um antibiótico e lhe cure o coração doente.
Quantas Anas conhece?
*Publicado em Público
O êxito “Taras e Manias” de Marco Paulo fala de uma mulher atrevida, cara de menina, sem um pingo de vergonha e uma lady na mesa. Cada um tem a tara que quiser e bem lhe apetecer, certo? O Marco Paulo decidiu cantar a sua e eu vou partilhar a minha convosco agora mesmo. Tal como a dele, confesso que a minha tara é daquelas bem inofensivazinhas! Alguns vão achar aborrecida ou pouco imaginativa, mas comigo funciona.
Fico doida com um homem que tenha jeito para a lide doméstica e seja atrevidote na cama. Pergunto-me, aliás, qual é a mulher que não fica excitada quando ao chegar a casa percebe que a sua cara metade, o tal atrevidote, aspirou o chão, preparou o jantar e, como se não fosse bom o suficiente, passou a ferro o “Evereste” de roupa há duas semanas fechado a sete chaves no quarto de hóspedes, longe dos olhares indiscretos das visitas de última hora? Não acredito que haja uma única mulher que resista ao brilho do chão limpo, uma pilha de roupa passada a ferro ou o cheiro do tabuleiro de lasanha feita a pensar na marmita dos próximos dias! É bom demais e dá a volta à cabeça de qualquer uma, não concordam?
Como diz a letra, chegar a casa e sentir o cheiro a pinho do detergente do chão, ver a pia da loiça vazia e a brilhar: “Dá-me um arrepio na pele, sinto água na boca, para ficar com você! Você não tem um pingo de vergonha e todo homem [toda mulher] sonha ter alguém assim, realizando minhas fantasias, taras e manias [as tarefas domésticas], você vem para mim”
Apesar do tom de brincadeira, a verdade é que esta espécie de fetiche devia ser levado bem a sério. Há vários estudos que comprovam que uma divisão equilibrada das tarefas domésticas diminui o nível de conflito entre os casais e menos conflitos conduzem a um aumento da libido. A equação é simples e os resultados garantidos. Não imagino nenhum “truque” mais simples e fácil de pôr em prática capaz de melhorar a vida sexual da maior parte dos casais.
Homens, se querem melhor e mais sexo, vistam o avental e comecem a limpar a casa. Quando ela chegar prometo que o avental vai voar em menos de um minuto e o chão a brilhar vai tornar-se palco do melhor sexo da vossa vida! Para uma noite mais extravagante experimente limpar a casa-de-banho e passar lixívia na sanita. Ela vai ficar MALUCA!
Todos nós gostamos de ser mimados e um homem cuidador terá certamente a seu lado uma mulher com menos dores de cabeça. You know what I mean!
*Publicado em Público
Ter filhos sempre esteve nos meus planos, ainda que em estado latente durante muito tempo. Quero ter dois ou três, mas depois do primeiro nascer logo vos digo com que fulgor mantenho esta aspiração. Mas este plano é totalmente diferente de outros que levei a cabo, por ser inteiramente partilhado e vivido a dois. Decidi sozinha muitas coisas na vida, arcando com as consequências all by myself, mas neste caso não. É como se os dois estivéssemos grávidos!
Se não tivesse um homem ao meu lado tão ou mais empenhado no projecto de ser pai como eu estou em ser mãe, não me imaginaria com coragem para entrar no estonteante carrocel da maternidade. Apesar da inexperiência, uma coisa eu sei: depois de pagar o bilhete e de me sentar, o carrocel nunca mais vai parar de girar!
– Ó senhor do carrocel, deixe-me sair um bocadinho, vou ali descansar uns dias e já volto! Estava a pensar num hotel daqueles onde não entram bebés, com piscina em cima do mar e pulseirinha no pulso. Talvez um spa…
– Desculpe minha senhora, pagou para andar, agora não pode sair. E toca a mudar a fralda que já cheira a cocó! O carrocel só pára para deixar entrar mais crianças. Quer avançar para o segundo?
Mediante esta particularidade do carrocel da maternidade resta-me mesmo partilhar as voltas com o pai. E eu sou daquelas que vai partilhar tudo!!! A minha generosidade não terá limites, prometo isso ao pai. Isto porque considero que apenas vou desfrutar mais da maternidade se deixar o pai gozar a sua metade por inteiro. Com todas as coisas boas e menos boas que essa divisão possa implicar. Agradeço, portanto, a chegada desta nova geração de pais totalmente empenhados na questão da parentalidade.
Penso agora nalgumas pessoas que teimam em dizer que ser mãe é diferente de ser pai, no sentido de ser mais especial ou de estas serem capazes de estabelecer uma relação mais forte com as crianças. Recordo uma colega de trabalho que dizia cheia de orgulho, com a mão a bater no peito, que seria incapaz de deixar a filha doente em casa com o pai e ir trabalhar… Já eu agradeço ter ao meu lado um homem de mangas arregaçadas para quando isso for necessário. Estando grávida, até agora a única diferença que identifico entre a minha experiência e a do pai da criança é uma forte obstipação. De resto, temos vivido tudo de igual forma. Até a barriga de ambos está a crescer a uma velocidade semelhante. Por isso, Frederico, mais vale assumires que estás grávido de uma vez por todas.
Pronto, a parte das mamas também é diferente.
*Publicado em Público
Subo a avenida e passo os olhos pelas montras. Vários cartazes publicitam roupas e acessórios para mulheres. Noto um padrão que nada nos diz sobre a última tendência da moda para o Verão que se aproxima. O que é comum às várias campanhas publicitárias é o facto de usarem imagens que mais parecem ter sido captadas em plena rodagem de um filme pornográfico. A meio não. No início. Antes da acção principal decorrer. As mulheres que exibem as roupas olham com desejo ardente para os transeuntes. Parecem estar seriamente empenhadas em seduzir quem passa.
Ora, se não são os homens que usualmente compram as roupas das mulheres, nem a maior parte das mulheres são lésbicas, todo aquele esforço sedutor é para quem? Para quê o decote exageradamente aberto, a boca e o olhar a pedir prazer carnal?
As mulheres vestem-se para ir à praia, para ir passear o cão ou a criança, para ir trabalhar, para ir ao supermercado, para ir a uma festa… Porquê centrar as imagens publicitárias no acto da sedução? A sedução é bem-vinda, o amor e a paixão enchem-nos a vida de excitação, mas podemos ter campanhas publicitárias que não se resumam a isso e, principalmente, não resumam as mulheres a isso?
A actriz Susan Sarandon afirmou recentemente a sua vontade de realizar filmes pornográficos, uma vez que os que existem estão centrados no prazer do homem ignorando a líbido feminina. Pois na publicidade passa-se a mesma coisa! Porque raio as mais diversas publicidades, desde o anúncio do carro ao dos sapatos, nos inundam com imagens de mulheres altamente empenhadas no acto da sedução, em posições e trejeitos híper erotizados?
Identifico, no entanto, dois tipos de anúncios em que as mulheres não nos são apresentadas como um pedaço de carne que se esforça por ser objecto de desejo. Publicidade a produtos para bebés e produtos para a casa. Mas se uma mulher veste lantejoulas e exibe um decote até ao umbigo para vender mobiliário, por que não o há-de fazer para vender umas fraldas? Porque, minhas amigas e meus amigos, a mãe e a dona de casa não são passíveis de ser transformadas em objectos de prazer.
Não sei o que é pior, se a excessiva sexualização do corpo feminino, se a completa “dessexualização” da mulher-mãe, mulher-doméstica. Ou bem que as mulheres são representadas como sedutoras natas ou como anjos do lar. A maior parte delas não é uma coisa nem outra, e são essas que compram!
* Publicado em Público
Existem expressões que muitos consideram inofensivas, ou mesmo enternecedoras, que a mim me tiram do sério. Provocam-me desconforto. Espalham injustiça. “Mãe é mãe” é uma delas. “Irmão é irmão”, “pai é pai”, e podia continuar durante páginas, possuem igual valor semântico e nunca ouvimos alguém dizê-lo, pois não?
Mas o que significa tal afirmação? Que quer ela realmente dizer?
Eu percebo que a expressão quer enaltecer a especial ligação que em muitos casos se estabelece entre mães e filhos, mas essa ligação, ao contrário do que a afirmação indicia, não é um dado adquirido. Não é uma verdade de La Palice! Há quem argumente que “mãe é mãe” porque foi ela que carregou a criança no ventre durante meses e isso mais ninguém o faz. Totalmente verdade, mas isso não é uma garantia da tal relação especial que progenitora e cria podem vir a desenvolver. Essa tal relação de afecto, de amor incondicional, depende de cuidados e carinho permanentes ao longo de anos. E se “mãe é mãe” por isso, podemos afirmar sem medo ou culpas que “pai é pai” exactamente pelos mesmos motivos.
Você aí que está a levantar o dedo acusador, tenha calma! Não quero com este texto tirar qualquer valor ao facto de as mulheres carregarem os filhos durante meses dentro do seu próprio ventre, ou os parirem por vezes a muito custo ou, ainda, lhes poderem fornecer o sustento nutricional essencial aos primeiros tempos de vida. Isso é louvável. O que eu quero dizer com este texto é que isso não garante que a mãe venha a desenvolver uma relação com os filhos que não possa ser igualada pela ligação que também os pais com eles estabelecem.
Bem sei que, por regra e com mais evidência em gerações anteriores à minha, as mães tendem a assumir um papel predominante na vida das crianças, o que se reflecte numa relação de empatia e afinidade emocional que muitos pais não conseguem ou nem tentam igualar. Esse é o retrato grosseiro que podemos fazer das relações parentais. Mas se olharmos mais de perto podemos ver emergir um batalhão de pais que estão lá todos os dias disponíveis para mudar a fralda, embalar, cuidar, vestir, levar à escola, ajudar nos TPC, incentivar, ouvir, apoiar… tudo o que é necessário para ganharem o título de “pai é pai”.
*Publicado em Público
Os estereótipos são um instrumento, por excelência, de compreensão do mundo. Ajudam-nos a arrumar a realidade em caixinhas, facilitam a organização do pensamento, mas ao mesmo tempo limitam a nossa capacidade de ver além das etiquetas que colocamos nas pessoas. A utilidade dos estereótipos termina quando a sua existência representa a negação da diversidade humana.
Os estereótipos de género são um bom exemplo de como estes auxiliares do pensamento são simplificações da realidade que não podem ser levadas demasiado a sério. Em termos abstratos o feminino e masculino tendem a ser representados como duas entidades completamente distintas, até opostas. Associamos determinadas características físicas, psicológicas e até intelectuais a mulheres e outras completamente diferentes a homens. As mulheres são mais sensíveis, os homens mais autoritários. As mulheres gostam mais de novelas, já os homens de futebol. As mulheres interessam-se mais por moda e os homens por automóveis. Todos nós conseguimos identificar as características que são associadas a umas e outros, independentemente de concordarmos com essa divisão…
Ana é uma mulher com braços de ferro. Nunca trabalhou fora de casa, mas também não encaixa no estereótipo da dondoca. Vive numa grande casa que faz questão de manter a brilhar e para além disso tem a seu cargo ou participa em muitas tarefas fisicamente exigentes. Rachar lenha, matar animais, amassar grandes quantidades de farinha e preparar o forno para cozer o pão são algumas delas. Digamos que a Ana não precisa de um homem para lhe abrir o frasco de doce, a Ana é a pessoa a quem podemos pedir para o abrir quando não o conseguimos fazer.
Quando penso na maior parte dos homens que conheço ou com quem me cruzo no meu dia-a-dia, seja no trabalho, no supermercado ou entre o meu grupo de amigos mais chegados, não vejo muitos que conseguissem ganhar um braço de ferro à Ana. Alguns não conseguem abrir o frasco de compota hermeticamente fechado há anos.
Os estereótipos são como um desenho grosseirão de uma criança de poucos anos. Conseguimos perceber que está lá uma casa, o sol, as nuvens, mas os tamanhos, as formas, as cores não são reais. Muitas vezes têm elementos ficcionados, como uma porta no meio de uma parede, um animal que não existe.
A realidade é bem mais complexa e matizada do que os estereótipos que a representam. A Ana é real. A Ana é uma mulher.
*Publicado em Público